Esta é a época em que me divirto mais a observar as pessoas. Voyer assumidissima, sento-me calmamente na Fnac do antigo Grandela (e porque é natal, nem me importo de fazer publicidade), bebo o sagrado café e fumo o, ainda mais sagrado, cigarro. Olho pela janela e aprecio a magnífica vista sobre o Castelo, para evadir o meu olhar das fotografias de (quase sempre) pouquíssima qualidade, que se espalham pelo café. Mas não posso deixar de reparar no ritmo em que as pessoas se movimentam pela loja. Mexem nos objectos, sejam livros ou telemóveis, comparam preços e percepitam-se para as caixas, num consumismo frenético próprio da época. Vejo pessoas a entrar e pessoas a sair, enquanto eu degusto a cafeína. Já na loja, leio alguns prefácios cujos títulos me chamam a atenção, enquanto o frenesim continua. Ouve-se um burburinho que quase me consegue desconcentrar. E penso que aquilo que devia de ser visto e cheirado, torna-se consumido como lenços de papel. Ninguém pensa na qualidade da escrita ou da música, apenas olham para a lista de pessoas e compram para preencher as vagas existentes. Sinto-me ligeiramente enfastiada e saio da loja e do respectivo Centro Comercial.
Já na rua, sorrio pela ausência de ares condicionados e olho o céu. Nesta altura pré-fabricada pelo Homem, é bom apreciar as dádivas da natureza. Continuo o meu caminho, um pouco sem destino, e as pessoas continuam a correr cheias e sacos e com um ar mais stressado do que o de segunda-feira, apesar de ser sábado. Entro numa loja de minha preferência mas é impossível chegar-me às prateleiras devido ao amontoado de gente. Respiro fundo e saio da loja.
Começo a ficar chateada quando me deparo com a técnica de marketing mais bem conseguida da história da humanidade. O Pai Natal, ou melhor, o Pai Coca Cola. Já é demais para o meu sábado de descanso.
Chiado acima, deparo-me com imensas pessoas a pedir para isto ou aquilo. Associação dos sem-abrigo, associação dos escuteiros católicos portugueses, associação do raio que me parta e do caraças mais próximo.
Ok, vou desistir e apanhar o eléctrico para casa.
Cinco minutos, dez minutos, um quarto de hora, meia hora e nunca mais chega o atraso de vida do eléctrico. Continuo a observar as pessoas. Um grupo de espanhóis aqui, outro grupo de ingleses acolá. Parecem calmos. Surge vindo sabe Deus de onde, um “fora de prazo” a pedir esmola. Logo se gerou a confusão quando uma senhora (também desenterrada, diga-se) não só recusa-se a dar uns centimos, como ainda arma um trinta e um e logo se instala a gritaria. Uma hora e um quarto de pois subo para o eléctrico.
Podia ser pior, cheguei a casa para almoçar às três da tarde.
E que me deparo eu na televisão?! Com o fantástico e badalado Natal dos Hospitais. Natal das Prisões, Natal das crianças, Natal dos paralíticos anónimos, sempre com um bando de gnus aos saltos no palco.
“Onde está o teu espírito natalício?” pergunta a minha mãe”. “Mãe, num país em que as pessoas metem créditos para não ficarem mal vistos na consoada, onde andam pais natal por todas as ruas e vielas aos saltos a cantarem músicas monofónicas, num país onde as pessoas se juntam à volta da televisão para verem o Natal do atrasados mentais anónimos e ainda fazem filas gigantes para verem uma árvore de Natal de latão que gasta não sei quantos watts por segundo, numa conjuntura de tristeza de espírito colectivo, por onde queres que ande o meu espírito natalício?”. Pois eu respondo-te, mãe, anda pelas ruas da amargura. E sabes ainda que mais, mãe, por mim não comemorava natal nem merda nenhuma, só que depois caía o arco e a trindade e vinham todos os santinhos do cú de judas cruxificarem-me por dar esse desgosto à minha família. Porque no ano em que eu disse que ía passar a consoada com os sem-abrigo, mãe, a minha avô caiu num pranto que nem Maquiavel resistia, quanto mais eu que, às vezes, e ao contrário do que tu pensas, até tenho sentimentos.
E aquele que era suposto ser um artigo sobre a atitude consumista no Natal, acaba por ser um grito de revolta sobre os valores da minha infância.
Mas parece que já não sou criança...
Um Bom Natal
Já na rua, sorrio pela ausência de ares condicionados e olho o céu. Nesta altura pré-fabricada pelo Homem, é bom apreciar as dádivas da natureza. Continuo o meu caminho, um pouco sem destino, e as pessoas continuam a correr cheias e sacos e com um ar mais stressado do que o de segunda-feira, apesar de ser sábado. Entro numa loja de minha preferência mas é impossível chegar-me às prateleiras devido ao amontoado de gente. Respiro fundo e saio da loja.
Começo a ficar chateada quando me deparo com a técnica de marketing mais bem conseguida da história da humanidade. O Pai Natal, ou melhor, o Pai Coca Cola. Já é demais para o meu sábado de descanso.
Chiado acima, deparo-me com imensas pessoas a pedir para isto ou aquilo. Associação dos sem-abrigo, associação dos escuteiros católicos portugueses, associação do raio que me parta e do caraças mais próximo.
Ok, vou desistir e apanhar o eléctrico para casa.
Cinco minutos, dez minutos, um quarto de hora, meia hora e nunca mais chega o atraso de vida do eléctrico. Continuo a observar as pessoas. Um grupo de espanhóis aqui, outro grupo de ingleses acolá. Parecem calmos. Surge vindo sabe Deus de onde, um “fora de prazo” a pedir esmola. Logo se gerou a confusão quando uma senhora (também desenterrada, diga-se) não só recusa-se a dar uns centimos, como ainda arma um trinta e um e logo se instala a gritaria. Uma hora e um quarto de pois subo para o eléctrico.
Podia ser pior, cheguei a casa para almoçar às três da tarde.
E que me deparo eu na televisão?! Com o fantástico e badalado Natal dos Hospitais. Natal das Prisões, Natal das crianças, Natal dos paralíticos anónimos, sempre com um bando de gnus aos saltos no palco.
“Onde está o teu espírito natalício?” pergunta a minha mãe”. “Mãe, num país em que as pessoas metem créditos para não ficarem mal vistos na consoada, onde andam pais natal por todas as ruas e vielas aos saltos a cantarem músicas monofónicas, num país onde as pessoas se juntam à volta da televisão para verem o Natal do atrasados mentais anónimos e ainda fazem filas gigantes para verem uma árvore de Natal de latão que gasta não sei quantos watts por segundo, numa conjuntura de tristeza de espírito colectivo, por onde queres que ande o meu espírito natalício?”. Pois eu respondo-te, mãe, anda pelas ruas da amargura. E sabes ainda que mais, mãe, por mim não comemorava natal nem merda nenhuma, só que depois caía o arco e a trindade e vinham todos os santinhos do cú de judas cruxificarem-me por dar esse desgosto à minha família. Porque no ano em que eu disse que ía passar a consoada com os sem-abrigo, mãe, a minha avô caiu num pranto que nem Maquiavel resistia, quanto mais eu que, às vezes, e ao contrário do que tu pensas, até tenho sentimentos.
E aquele que era suposto ser um artigo sobre a atitude consumista no Natal, acaba por ser um grito de revolta sobre os valores da minha infância.
Mas parece que já não sou criança...
Um Bom Natal